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quarta-feira, 15 de agosto de 2012

O CAIR NO ESPÍRITO: UMA ANÁLISE CRÍTICA DO FENÔMENO À LUZ DAS EVIDÊNCIAS HISTÓRICAS (TEXTO ATUALIZADO)

extraido de:
http://www.altairgermano.net/2012/02/o-cair-no-espirito-uma-analise-critica.html

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As discussões em torno da manifestação do Espírito é uma realidade presente na comunidade cristã desde o período neotestamentário. Quando se trata do fenômeno designado de “cair no Espírito” ou “movimento do cai-cai”, as opiniões de escritores e teólogos são divergentes.
Sobre o cair no Espírito, Paulo Romeiro escreveu:
E ainda que haja ocorrido tais fenômenos nos avivamentos passados, eles não estão acima da autoridade bíblica e nem servem de base para se estabelecer regras de fé e prática na Igreja. Que a Bíblia seja a única a ditar normas quanto a questões espirituais, e não as experiências vividas por terceiros.[1]
Ao concluir seus argumentos sobre o referido fenômeno, buscando uma posição moderada, Romeiro afirma:
Reconheço que Deus tem poder para tocar alguém hoje de tal forma que a pessoa venha a cair. De modo algum sou contra a verdadeira manifestação do poder de Deus. Esta não me preocupa nem um pouco, pois quanto mais, melhor. O que realmente me preocupa são os abusos gerados em torno de tal prática. Estes trazem mais transtornos e divisões para o Corpo de Cristo do que edificação espiritual.[2]
Entre aqueles que promovem os abusos em torno do fenômeno na atualidade, Romeiro descreve:
Este fenômeno foi verificado nos Estados Unidos através do ministério de Maria B. Woodwort-Etter por volta do ano de 1885. Ela mesma relata que muitos ímpios e escarnecedores foram os primeiros a cair debaixo do poder. Depois dela, muitos outros pregadores seguiram tal prática, como Kathryn Kuhlman (de quem Benny Hinn aprendeu) Kenneth Hagin e muitos outros.[3]
Escrevendo sobre o assunto, Ciro Zibordi declara:
Os que defendem a “queda no poder” ignoram os fatos de que o culto a Deus é racional(Rm 12.1) e de que o espírito do profeta está sujeito ao profeta (1 Co 14.32). Isso significa que , por mais que sintamos a presença do Senhor, em um culto, devemos ser prudentes quanto às nossas reações. Devemos ser meninos apenas na malícia, e adultos no entendimento (1 Co 14.20).[4]
Na Lição Bíblica da CPAD (Mestre), do 1º Trimestre/2012, comentada pelo pastor José Gonçalves, lemos o seguinte: De vez em quando aparece uma nova onda no meio dos crentes. São modismos teológicos para todos os gostos. Antes era o cair no espírito, a unção do riso, etc. Atualmente a lista está bem maior.[5]
Diante das declarações acima, entendo ser de fundamental importância uma análise crítica deste fenômeno que tanto tem dividido opiniões ao longo da história.
Manifestações do Espírito no Novo Testamento
O apóstolo Paulo, ao escrever sua primeira carta à igreja em Corinto, de forma mais específica no contexto dos dons (gr. charisma) relacionados em 1 Coríntios 12:4-11, se deparara com as seguintes questões em torno da manifestação do Espírito e dos abusos na administração dos dons espirituais:
- Sentimento de independência ou superioridade (1 Co 12:12-26). Para entender a essência e o propósito da manifestação do Espírito através dos dons, Paulo se utilizou da metáfora do corpo, onde nele cada membro tem a sua importância, e é interdependente do outro. A unidade na diversidade dos dons é destacada, e a soberania de Deus, que coloca os membros no corpo (igreja) como lhe convém é fortalecida, evitando assim qualquer tipo de orgulho e arrogância provenientes de algum sentimento ou pensamento meritório.
- A manifestação dos dons desassociada do amor (1 Co 13:1-13). Na igreja em Corinto abundava a manifestação do Espírito através dos dons, mas faltava amor (gr. agape) na relações com o próximo. Dessa forma, desassociado de compromisso integral com as necessidades integrais do próximo, os dons perdiam o sentido de ser, por ser sem fazer, por ser sem se envolver, por ser sem se comprometer.
- A hiper valorização dos dons menos relevantes para a edificação da igreja (1 Co 14:1-25). Na igreja em Corinto o dom de línguas ganhou importância exagerada, e sua prática tornou-se equivocada na medida em que a interpretação das línguas não era buscada e valorizada no culto público. Paulo precisou colocar as coisas no devido lugar, sem, contudo proibir o falar em línguas.
- A desordem no culto (1 Co 14:26-33). No contexto do culto cristão, onde havia cânticos, doutrina, revelação, línguas e interpretação, tudo deveria convergir para a edificação. Acontece que no culto alguns começaram a falar em línguas simultaneamente, e sem intérprete. O resultado era uma grande confusão. A mesma desordem acontecia com a profecia (gr. propheteia), o que também foi tratado.
Em meio a todas estas questões, a postura do apóstolo Paulo sempre foi a de corrigir o erro através de um ensino claro e objetivo. Paulo entendeu que não ter a manifestação do Espírito através dos dons era um problema maior do que a necessidade de corrigir os abusos e equívocos decorrentes desta manifestação.
Manifestações no Montanismo
O Montanismo foi um movimento religioso que data do século II. Recebe esta designação em razão do ser fundador se chamar Montano, um sacerdote pagão da região da Ásia Menor chamada Frígia que se converteu ao cristianismo.
Eusébio de Cesaréia (263-340 d.C.), em sua "História Eclesiástica", narra os fatos acerca de Montano e seu movimento da seguinte maneira:

"Diz-se haver certa vila da Mísia na Frígia, chamada Ardaba. Ali, dizem, um dos conversos recentes de nome Montano, quando Crato era procônsul na Ásia, tendo na alma excessivo desejo de assumir a liderança, dando ao adversário ocasião para atacá-lo. De modo que foi arrebatado no espírito, sendo levado a certo tipo de frenesi e êxtase irregular, delirando, falando e pronunciando coisas estranhas, e proclamando que era contrário às instituições que prevaleciam na Igreja, conforme transmitidas e mantidas em sucessão desde os primórdios. Mas quanto aos que aconteceu estarem presentes e ouvir esses oráculos espúrios, ficaram alguns indignados, censurando-o por estar sob a influência de demônios e do espírito de engano e por estar apenas incitando distúrbios entre a multidão."[6]
Apesar da importância histórica do relato acima, vale salientar que Eusébio seguiu as ideias teológicas de Orígenes, foi provavelmente bispo de Cesaréia, simpatizou com o arianismo, mas coagido por Constantino, veio a aceitar a ortodoxia do Credo Niceno.[7]Sendo assim, já envolvido com a institucionalização e romanização do cristianismo, é possível perceber a força de suas palavras contra Montano. A frase "falando e pronunciando coisas estranhas", sugere a ideia do falar em línguas.

Sobre Montano, Olson nos narra que ele reuniu um grupo de seguidores, construindo em Papuza uma comunidade. Duas mulheres, Priscila e Maximila, se uniram a ele para profetizar, alertando para o breve retorno de Cristo, e condenando os bispos e líderes como desprovidos de vida, corruptos e apóstatas. Montano e as duas profetisas, quando entravam em transe espiritual, falavam na primeira pessoa como se Deus, o Espírito Santo, falasse diretamente através deles.[8]
O historiador Cairns entende que na tentativa de combater o formalismo e a organização humana, e de reafirmar as doutrinas do Espírito Santo, Montano caiu no extremo oposto, concebendo fanáticas e equivocadas interpretações da Bíblia. O aspecto positivo do movimento foi que:
"O montanismo representou o protesto perene suscitado dentro da Igreja quando se aumenta a força da instituição e se diminui a dependência do Espírito de Deus. Infelizmente, estes movimentos geralmente se afastam da Bíblia, entusiasmados que ficam pela reforma que desejam. O movimento montanista foi e é aviso que a Igreja não esqueça que a organização e a doutrina não podem ser separadas da satisfação do lado emocional da natureza do homem e do anseio humano por um contato espiritual imediato com Deus."[9]
Sherril, escrevendo sobre estes acontecimentos, e enfatizando a sua perspectiva pentecostal, diz que o movimento foi prejudicado pelo aumento das línguas e de outros fenômenos carismáticos.[10]
Olson afirma que na reação contra os abusos e excessos de Montano e seus seguidores, a liderança da igreja procurou se apoiar cada vez menos em manifestações verbais sobrenaturais, como línguas, profecias e outros dons, sinais e milagres sobrenaturais do Espírito. As manifestações carismáticas, sendo agora identificadas com Montano, quase se extinguiram no decorrer da história.[11]
Para Synan[12] e Olson[13], o principal motivo da rejeição do movimento não foi a presença dos dons, mas a afirmação de Montano de que as declarações proféticas estavam no mesmo nível de autoridade com as Escrituras.
A Igreja reagiu a estas extravagâncias, condenando o movimento no Concílio de Constantinopla, em 381, declarando que os montanistas deviam ser olhados como pagãos. Tertuliano, um dos Pais da Igreja, tornou-se montanista.[14]
Com o montanismo, temos a primeira tentativa histórica do resgate da manifestação do Espírito através do dom de línguas, da profecia e dos demais dons designados no pentecostalismo clássico de extraordinários.
Manifestações do “Cair no Espírito” nos Grandes Despertamentos
Durante o Primeiro Grande Despertamento, por volta do ano de 1740, quando uma busca pelo poder do Espírito norteava o ministério de grandes homens de Deus, temos alguns relatos da manifestação do poder do Espírito nas pregações, que resultava em alguns comportamentos (reações) não muito comuns. Deere descreve alguns casos[15]:
John Wesley testemunhou numerosos “sinais externos” durante a sua prédica. Em 17 de junho de 1739, por exemplo, quando pregava numa área rural e “convidava ansiosamente a todos os pecadores a que entrassem ‘no santo dos santos’ por meio desse ‘novo e vivo caminho’”, muitos dos que ouviram, começaram a clamar a Deus com fortes gritos e lágrimas. Alguns caíram, não lhes restando nenhuma força; outros tremiam e se balançavam terrivelmente; ainda outros eram despedaçados com uma espécie de movimento convulsivo, e isso com tanta violência que, com frequência, quatro ou cinco pessoas não eram capazes de segurar os que assim se encontravam.
John Wesley, em seu diário, narra uma experiência vivenciada por George Whitefield, e a descreve da seguinte forma:
Tive a oportunidade de falar-lhe a respeito desses sinais externos que tão frequentemente tem acompanhado a obra interior de Deus. Na verdade, achei que suas objeções eram fundamentadas, principalmente, em rudes deturpações do assunto. Mas, no dia seguinte, ele teve a oportunidade de se informar melhor: porque não muito antes dele começar (na aplicação do seu sermão) a convidar todos os pecadores a crerem em Cristo, quatro pessoas se prostraram diante dele, quase no mesmo momento. Uma delas,estendida, sem sentido e movimento. A segunda, tremendo excessivamente. A terceira teve convulsões fortes por todo o corpo, mas não fez nenhum ruído, a não ser através de gemidos. A quarta, igualmente convulsionou, invocando a Deus com gritos fortes e lágrimas. Desde este dia, creio eu, todos permitiremos que Deus leve adiante sua obra da maneira como lhe agradar.[16]
Jonathan Edwards, considerado o maior teólogo do Primeiro Grande Despertamento, descreve os fatos acontecidos em suas reuniões na América do Norte:
O contágio propagou-se rapidamente por todo o salão. Muitos jovens e crianças... pareciam vencidos pelo senso de grandeza e glória das coisas divinas. Portavam-se com admiração, amor, alegria, louvor e compaixão para com os que se consideravam perdidos. Outros achavam-se vencidos pela agonia em razão de seu estado pecaminoso. Enfim, no salão não havia senão choros, desmaios e coisas parecidas. [...] era mui frequente ver uma casa repleta de clamores, desmaios, convulsões, tanto em meio à agonia quanto em meio à admiração e à alegria... Isso acontecia com tanta frequência, que alguns, nem conseguiam voltar para casa, mas permaneciam a noite inteira onde estavam.[17]
Apesar de Edwards conviver com tais manifestações, Pearcey dá o seguinte testemunho a seu respeito:
Muitos souberam manter o equilíbrio entre devoção e racionalismo, sendo Jonathan Edwards o principal exemplo. De alta formação educacional, Edwards harmonizou de modo admirável a aprendizagem teológica e o fervor espiritual. Até os historiadores seculares reputam-no um dos maiores eruditos da história americana.[18]
Diferente do que muitos pensam, é possível conciliar poder do Espírito com profundidade teológica. Edwards é um claro exemplo disto.
Durante o Segundo (por volta de 1800) e Terceiro Grande Despertamento (por volta de 1830), períodos que antecederam o início do atual derramar do Espírito, os fenômenos continuaram acontecendo. Charles Finney, durante a sua passagem por De Kalb, vivencia a experiência abaixo:
Poucos anos antes, ocorrera ali um reavivamento dirigido pelos metodistas. Fora acompanhado com bastante emoção e com vários casos do que os metodistas chamavam “cair no poder de Deus”. Os presbiterianos haviam resistido ao movimento, e, como consequência, surgiu entre metodistas e presbiterianos um sentimento de hostilidade. Os metodistas acusavam os presbiterianos de terem rejeitado o reavivamento por causa das pessoas quecaíam “no poder”. Pelo que consegui descobrir, existia verdade na acusação, e os presbiterianos haviam decididamente incorrido no erro. Certa noite, não muito tempo depois de eu ter começado a pregar na aldeia, pouco antes de encerrar meu sermão, vi um homem cair da cadeira perto da porta. As pessoas juntaram-se à sua volta para cuidar dele. Pelo que vi, tive a certeza de se tratar de um caso de “cair no poder”, conforme a expressão usada pelos metodistas, pelo que julguei que se tratava de um irmão daquela denominação. Confesso que receei assistir ao retorno do estado de divisão citado anteriormente. No entanto, tomei conhecimento de que quem caírafora um dos membros mais destacados da igreja presbiteriana. É digno de nota o fato que, durante esse reavivamento, tenham ocorrido vários casos semelhantes entre os presbiterianos e nenhum entre os metodistas. Esse fato gerou tantas confissões e esclarecimentos entre os membros de ambas as igrejas que nasceu entre eles um ambiente de grande cordialidade e bons sentimentos.[19]
Citando o relato de Barton W. Stone, uma testemunha ocular do movimentoHoliness, por volta de 1870, que descreve as formas de êxtase ocorridos nos primeiros acampamentos, Vinso Synan escreve[20]:
O exercício da queda era comum a todas as classes: de santos a pecadores de todas as idades e de toda estirpe, de filósofos a palhaços. Esse exercício geralmente consistia em um grito lancinante seguido de uma queda, como de uma árvore, ao assoalho, à terra ou no meio da lama, e a pessoa ficava como morta. Num desses encontros, duas alegres jovens irmãs, de repente emitiram um som agudo de lamento e ficaram caídas,inertes, por mais de uma hora. Finalmente, deram sinal de vida, clamando aflitas por misericórdia, e então retornaram ao estado de inércia. O aspecto do semblante delas era horrível. Depois de certo tempo, a deformação foi desaparecendo até ser substituída por um sorriso celestial, e elas gritavam: “Preciso Jesus!”. Então, elas se levantaram e começaram a dar testemunho do amor de Deus.
Manifestações no avivamento do País de Gales
Frank Bartleman, evangelista pentecostal, crítico e cronista das origens do movimento[21], registra a presença de fenômenos espirituais no ministério de Evan Roberts, líder do avivamento no País de Gales:
Outro escritor declarou que não era a eloquência de Evan Roberts que comovia o povo; eram suas lágrimas. Ele os quebrantava, chorando amargamente para que Deus os dobrasse em tal agonia que as lágrimas escorriam pelo seu rosto e todo o seu corpo tremia. Homens fortes eram quebrantados e choravam como crianças. As mulheres gritavam de medo. O barulho do choro e dos gritos enchia o ar. Quando sua agonia se tornava maior, Evan Roberts chegava a cair diante do púlpito, enquanto muitos dentre o povo chegavam a desmaiar.[22]
Manifestações no início do moderno Movimento Pentecostal.
Quando o derramar no Espírito irrompeu em Los Angeles, especialmente nas reuniões da Rua Azusa, lideradas por William J. Seymour, nas reuniões da Igreja Batista do Novo Testamento, liderada por Joseph Smale e nas reuniões da Rua Eighth com Maple,lideradas por Frank Bartleman, alguns dos fenômenos que aconteciam nos acampamentos Holiness se fizeram presentes ali também. Bartleman, escrevendo em 1925 sobre como o Pentecostes chegou em Los Angeles, relata os seguintes fatos:
Alguém podia estar falando. Repentinamente, o Espírito caía sobre toda a congregação. Deus mesmo fazia os apelos. Homens caíam por toda a casa como mortos numa batalha, ou corriam ao altar em massa buscando a Deus. A cena muitas vezes parecia uma floresta cheia de árvores caídas.[23]
A Igreja do Novo Testamento recebeu se “Pentecostes” ontem. Foi maravilhoso. Homens e mulheres ficaram prostrados diante da quantidade de poder que havia no local. Uma atmosfera celestial invadiu todo o ambiente. Eu nunca antes ouvira cantar daquela maneira. Era uma melodia que parecia vir direto do trono de Deus.[...] Na Igreja do Novo Testamento, uma jovem requintada ficou durante horas protrada no chão.De vez em quando, os mais belos cantos celestiais saíam de sua boca. Subiam até o trono de Deus e depois morriam numa melodia que não era terrena. Cantava: “Louvado seja Deus! Louvado seja Deus!” Na casa inteira homens e mulheres choravam. Um pregador estava deitado com o rosto no chão, “morrendo”. O “Pentecostes” havia chegado.[24]
O trabalho é para valer. Deus está conosco com grande autenticidade. Não ousamos pensar em ninharias. Homens fortes ficam durante horas prostrados sob o poder de Deus, cortados como grama. O avivamento será mundial sem dúvida.[25]
O peso da glória era tal que só podíamos ficar prostrados com o rosto em terra. Pormuito tempo não podíamos nem ficar sentados. Todos ficavam com o rosto no chão, alguns durante o culto inteiro. Eu raramente conseguia sair desta posição, prostado inteiramente com o rosto no chão.[26]
Uma noite nessa época quando eu estava pregando sobre Cristo, colocando-o diante do povo no seu devido lugar, o Espírito testificou de tal forma o seu agrado que fui tomado pela sua presença e caí inerte no chão sob uma poderosa revelação de Jesus na minha alma. Caí a seus pés como João na ilha de Patmos.[27]
Depois, uma senhora idosa de doces feições, uma luterana alemã, testemunhou que quando ouviu o povo louvando a Deus em línguas, orou para ser batizada no Espírito.Depois que estava já deitada começou a falar em línguas e louvou ao Senhor a noite inteira, para espanto de seus filhos.[28]
Uma jovem nessa reunião nessa reunião pela primeira vez foi visitada pelo Espírito eficou meia hora com o rosto brilhando, deitada no chão, sem perceber os que estavam a seu redor, tendo visões indescritíveis. Logo começou a dizer: “Glória! Glória a Jesus!” e falou fluentemente numa língua estranha.[29]
Como se vê nos relatos acima, o “cair no Espírito”, fenômeno bem frequente nos Grandes Despertamentos e nas reuniões pentecostais em Los Angeles, não seguiam um padrão único, sendo descrito como “desmaios e coisas parecidas”, “cair no poder de Deus”, “ficar como morto”, “caídos como mortos numa batalha”, “uma floresta cheia de árvores caídas”, “cortados como grama”, “prostrados com o rosto no chão”, “deitados no chão”.
Os pioneiros do Movimento Pentecostal no Brasil, Daniel Berg e Gunnar Vingren, foram influenciados diretamente por William H. Durhan, pastor da North Avenue Mission de Chicago, um dos berços do pentecostalismo moderno. Em algumas reuniões naquela igreja: uma densa "neblina... como fumaça azul" frequentemente repousava sobre a Missão. Quando isto acontecia, as pessoas que entravam no prédio "caiam" nos corredores (ARAÚJO, 2007, p. 278 apudMiller, 1986, p. 123)
O pastor sueco Lewi Petrus, um dos apoiadores e mantenedores de Daniel Berg e Gunnar Vingren , escreve em sua biografia:
Na noite do mesmo dia a mãe do jovem veio até mim e pediu-me para que eu colocasse as mãos na cabeça de seu filho [...] Em seguida, fui até o jovem que estava ajoelhado ao lado do banco; coloquei minhas mãos sobre ele e assim que comecei a orar o Espírito Santo caiu sobre o jovem com um poder esmagador. Ele foi jogado no chão por causa do poder de Deus e o louvou em alta voz. Logo depois começou a falar em línguas, tornando-se, pelo que me lembro, o primeiro entre os amigos do lugar a receber esse dom. (PETRUS, 2004, p. 80)
Do registro deste fenômeno no início do atual Movimento Pentecostal mundial, passaremos agora a identificá-lo nos primórdios do Movimento Pentecostal no Brasil.
Manifestações no início do Movimento Pentecostal no Brasil
Em seu diário pessoal, Gunnar Vingren, pioneiro das Assembleias de Deus no Brasil, relata um caso de “cair no poder”:
Realizamos um culto de oração na casa da família Brito esta noite. Cerca de 20 pessoas estavam presentes. Quatro moças sentiram o poder de Deus de maneira maravilhosa. Uma delas sentiu tanto o peso dos seus pecados, que começou a chorar e a pedir perdão. Uma amiga sua, que não era crente,sentiu também o poder de Deus de uma maneira tão forte que caiu de costas no chão e começou a clamar a Deus pelo perdão dos seus pecados. Depois o Espírito Santo desceu sobre ela e ela começou a falar em outra língua e a cantar um hino espiritual no novo idioma, que recebera de Deus. Também cantou um hino em português, enquanto o poder de Deus estava sobre ela. Os vizinhos ficaram zangados com o barulho que fizemos. O culto de oração terminou à meia-noite.[30]
Como pode ser observado, assim como os casos descritos ao longo da história, o fenômeno “cair no poder” nunca seguia um padrão único de manifestação. Em alguns casos as pessoas caíam de rosto em terra, em outros casos caíam de costas, em algumas situações ficavam desacordadas, enquanto em outras permaneciam conscientes, tremiam, falavam em línguas, louvavam a Deus, tinham visões, etc..
As atuais manifestações da “Cair no Espírito” à luz das evidências históricas
Assim como no caso do “rir debaixo do poder”, quando se analisa o “cair no Espírito” à luz das narrativas históricas, percebem-se algumas diferenças do atual movimento nas igrejas pentecostais e neopentecostais:
- As manifestações das “cair no Espírito” não eram manipulações psicológicas;
- Não se marcava culto para “cair no Espírito”;
- “Cair no Espírito” era uma manifestação espontânea;
- Não se idolatrava “pregadores” ou “mestres” por serem portadores de uma unção especial do “cair no Espírito”;
- O culto não girava em torno da manifestação do “cair no Espírito”;
O comentário de Jack Deere, ex-professor do Seminário Teológico de Dallas,EUA, é bastante pertinente:
Diante das manifestações físicas causadas pela obra de Deus, devemos nos alegrar, mas jamais glorificá-las. Se as glorificamos, estaremos levando o povo a falsas crenças e ênfases equivocadas. Pois o mais importante não são as manifestações, mas as obras que as provocam. A obra do Espírito deve ser honrada na convicção, na cura e no livramento; jamais deve ser honrada por causa de sua reação.[31]
O “Cair no Espírito” e o argumento da falta de evidência bíblica
Assim como no caso do “rir debaixo do poder” (ou “unção do riso”), a principal objeção para o “cair no Espírito” é a suposta falta de evidência bíblica acerca do fenômeno. Como já me pronunciei tratando sobre o “rir debaixo do poder”, não acredito que todas as possibilidades de manifestação do poder do Espírito estão restritas às páginas da Bíblia. Escrevendo, por exemplo, sobre os atos de Jesus, o evangelista João declara
Há, porém, ainda muitas outras coisas que Jesus fez; e, se cada uma das quais fosse escrita, cuido que nem ainda o mundo todo poderia conter os livros que se escrevessem. Amém! (Jo 21.25, ARC)
Sobre a falta de evidência bíblica para fenômenos espirituais, Deere argumenta
Testar os frutos de uma obra é absolutamente essencial nos casos em que as Escrituras não se manifestam. Esse teste também é aplicável aos que, embora esposem doutrinas corretas, o fruto de suas vidas e de seu ministério não se harmoniza com tais doutrinas. Conscientes ou inconscientemente os tais enganam-se a si mesmos. Não devemos avaliar algo mediante a sua bizarria ou estranheza. O estranho não é regra bíblica para se determinar se uma ação ou ministério procedem ou não de Deus. Suponhamos que víssemos um alcoólatra, que espanca a sua esposa e é inimigo de Deus, gritando e, de repente, cair imóvel por 24 horas durante uma reunião religiosa. E, se o tal homem se levantasse para nunca mais beber ou bater na esposa? E se ele começasse a amar a Deus acima de tudo? E começasse a amar a Deus e à sua Palavra? Por mais bizarro que isso nos parecesse, teríamos que extrair daí a seguinte conclusão: o Espírito Santo realmente operou nessa vida. Pois nem o diabo, nem libertam do vício. Tais coisas aconteceram e continuam a acontecer durante os avivamentos.[32]
No atual meio pentecostal assembleiano não é incomum em algumas reuniões e eventos a manifestação do cair no Espírito. Em alguns casos a apelação e a manipulação por parte de alguns pregadores é escancarada e vergonhosa, enquanto que em outros, sem nenhum tipo de indução, as pessoas “caem no poder”.
Concluindo, abusos, meninice, demônios, modismos ou qualquer outro tipo de interpretação sobre o “cair no Espírito” precisa ser resultado de um julgamento imparcial e com discernimento espiritual, antes da condenação e repúdio total do referido fenômeno.


[1] Romeiro, 1997, p. 75.
[2] Ibid., p. 77.
[3] Ibid., p. 71
[4] Zibordi, 2006, p. 34.
[5] Gonçalves, 2012, p. 8.
[6] Cesaréia, 2003, p. 182.
[7] Ibid., p. 12.
[8] Olson, 2001, p. 30.
[9] Cairns,1988, p. 82-83.
[10] Sherrill, 2005, p. 102.
[11] Ibid., p. 31
[12] Synan, 2009, p. 34.
[13] Ibid.
[14] Leal, 2010, p. 1577 .
[15] Deere, 2009, p. 92-94.
[16] Wesley, 2009, p. 105-106.
[17] Deere, ibid., p. 93
[18] Pearcey, 2006, p. 300.
[19] Rossel & Dupuis, 2006, p. 139-140.
[20] Synan, 2009, p. 53-54.
[21] Araújo, 2007, p. 117.
[22] Bartleman, 1981, p. 25.
[23] Ibid., p. 48.
[24] Ibid., p. 50-51.
[25] Ibid. p. 54.
[26] Ibid. p. 58.
[27] Ibid., p. 75-76.
[28] Ibid., p. 78.
[29] Ibid., p. 79.
[30] Ibid., p. 131.
[31] Deere, 2009, p. 99.
[32] Ibid., p. 98-99.

Referências Bibliográficas
ARAÚJO, Isael de. Dicionário do Movimento Pentecostal. Rio de Janeiro: CPAD, 2007.
CAIRNS, Earle E. O cristianismo através dos séculos: Uma história da igreja cristã. 2. ed. São Paulo: Vida Nova, 1988.
CESARÉIA, Eusébio de. História Eclesiástica: os primeiros quatro séculos da igreja cristã. Rio de Janeiro: CPAD, 1999.
DEERE, Jack. Surpreendido pelo poder do Espírito. 9. ed. Rio de Janeiro: CPAD, 2009.
GONÇALVES, José. O surgimento da Teologia da Prosperidade in Lições Bíblicas, 1º Trimestre de 2012. Rio de Janeiro: CPAD, 2012.
LEAL, Jerônimo. Tertuliano, in Berardino, Angelo di; Fedalto, Giorgio; Simonetti, Manlio.Dicionário de Literatura Patrística. São Paulo: Editora Ave-Maria, 2010.
OLSON, Roger. História da Teologia Cristã: 2000 anos de tradição e reformas. São Paulo: Vida, 2001.
PEARCEY, Nancy. Verdade absoluta: libertando o cristianismo de seu cativeiro cultural. Rio de Janeiro: CPAD, 2006.
PETRUS, Lewi. Lewi Petrus: a vida e obra do missionário sueco que expandiu a mensagem pentecostal no Brasil e no mundo. Rio de Janeiro: CPAD, 2004.
ROMEIRO, Paulo. Evangélicos em crise: decadência doutrinária na igreja brasileira. 3. ed.: São Paulo: Mundo Cristão, 1997.
ROSELL, Garth; DUPUIS Richard. Memórias originais de Charles G. Finney: uma narrativa de reavivamentos que marcaram a história. São Paulo: Editora Vida, 2006.
SHERRILL, John L. Eles falam em outras línguas. São Paulo: Arte Editorial, 2005.
SYNAN, Vinson. O século do Espírito Santo: 100 anos de avivamento pentecostal e carismático. São Paulo: Vida, 2009.
ZIBORDI, Ciro Sanches. Evangelhos que Paulo jamais pregaria. Rio de Janeiro: CPAD, 2006.
WESLEY, John. O diário de John Wesley: o pai do metodismo. São Paulo: Arte Editorial, 2009.

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